domingo, 22 de agosto de 2010

Conto Materno kafkaniano

Há dias que seu filho vinha reclamando de pesadelos. Tentou anotar alguns. Dormia com um caderno ao lado pra registrar o que tinha sonhado e tentar entender de alguma forma aqueles estranhos devaneios. Mas não conseguiu. Não é como na bíblia que sonhar com sete espigas de milho significam futuros sete anos bons ou que um pesadelo com vacas magras decide o destino dos faraós.
Acordar é a hora mais perigosa do dia
Até que uma certa manhã, não acordou na mesma hora de sempre. O risco de ser sempre pontual está na certeza de um grave problema quando acontecer a impontualidade.
A mesa do café da manhã ficou pronta. E nada mais. Tudo o que seu filho mais gostava: chás, bolos, biscoitos. Uma das cenas mais tristes talvez seja a de uma mesa preparada para um paladar ausente , que não veio e nem virá, como se caisse uma condenação eterna sobre o alimento. Apodrecer sem servir ao sentido que foi preparado.
Sua mãe foi ao quarto, a porta estava aberta. Nenhuma palavra, sinal ortográfico ou metáfora - por mais bem elaboradas que fossem - descreveriam o horror de um grito materno ao ver no quarto de seu filho um enorme inseto repousando na cama
O que era aquilo? Para a mãe não era pra ser chamado de ´´aquilo``. O pai, inconformado com a situação tomou o inseticida e bombardeou na criança. A mãe correu em socorro do pobre inseto: não faça isso, pois meu filho é alérgico! E assim, todos que chamavam seu filho de ´´aquilo`` foram evitando entrar no quarto daquela criatura e por fim abandonavam a casa
.Basta acordar transformado em uma barata que você perceberá quem realmente te ama.
A mãe fazia de tudo para o conforto de sua criança: no passado trocou fraldas, agora trocava as mudas de pele do seu inseto. E o mau cheiro? Óbvio que filhos que se transformam em baratas se sentem tão bem perante o amor e o carinho de suas mães que não cheiram mau.
A descrição é a paralização escrita de uma imagem: a casa toda estava em ruínas e parecia abandonada, os móveis foram vendidos, sem água nem luz pois as contas estavam atrasadas. A casa ficou tida como mal assombrada na rua. Ninguem lembrava mais de visita-los. Melhor assim, pois no quarto ninguem incomodará a mais bela cena de uma mãe com seu filho no colo. Uma estranha pietá humano -artrópode

domingo, 8 de agosto de 2010

Ahab é meu pai



Desde que li Moby Dick, imagino figuras poderosas masculinas como o de Capitão Ahab do navio baleeiro protagonista do livro. O capitão do mais famoso livro já escrito sobre pesca move o destino da tripulação do navio Pequod não para caçar baleias e retirar o valioso óleo ( sim, o livro é muito bom, mas muito incorreto para os dias de hoje) mas para conseguir matar a gigante baleia branca que no passado o atacou e amputou sua perna deixando também uma cicatriz enorme no seu rosto.
Meu pai não anda com uma perna de marfim nem nunca pescou nada, mas eu imagino ele como uma versão de um Capitão Ahab. Uma certa monomania misturada com serenidade, olhar congelado, obstinado, sempre planejando um grande destino que apenas ele compreende o motivo de tanto querer alcançar. Mas também sempre embarcando muita gente nesse destinos. e fazendo ser odiado por muitos dos tripulantes embarcados a força nesse enorme navio.

Mas o principal: onde está a gigante baleia branca a ser destruida? Da minha parte, sou um tripulante do navio baleeiro que meu pai construiu a partir do momento em que lembro das inúmeras frases de que a ´´vida é dura``, ou os vários ´´se eu não lhe ensinar como o mundo é o próprio mundo vai lhe ensinar``, no monte de reclamações na maneira de comer, da maneira de vestir, do meu cabelo que era maior há um tempo atrás.

O ´´mundo que vai fazer você aprender`` talvez seja o enorme e feroz cetáceo branco a ser enfrentado. Não sei. Em Moby Dick têm muitas metáforas que parecem que a baleia branca é um castigo de deus para o ódio e a vingança que movem a viagem do navio do capitão protagonista do livro. Mas o capitão Ahab paterno que eu tenho não move seus destinos por ódio, nem vingança mas por alguma palavra oculta que só ele poderia dizer mas talvez jamais diga.

Por mais que tenha parecido, a comparação com o capitão do Pequod não é nenhuma mágoa que um filho guarde do pai e que aproveitou da data, ( e do fato de que o capitão jamais verá esse texto) para escrever agora. Quando se lê Moby Dick, de longe a figura mais admirável é a do Capitão Ahab. Apesar da história não ser narrada por ele, logo quando aparece a figura do capitão toma toda a atenção do texto e dos personagens dentro da esquizofrênica cruzada nos mares para matar a enorme baleia branca.
Deixo como principal na comparação entre Ahab e meu pai o fato de serem grandes figuras masculinas admiráveis que eu jamais vou ser nem metade do que eles foram, seja na literatura escrita ou na literatura da vida real cotidiana. Assim como Ahab, meu pai parece que passou por muitas situações na vida que o deixaram um homen firme perante a dureza do mundo. Inquietações, ambições, grandes feitos. Tudo isso já faz um homen ser admirável. Porém, a condução de seu destino vai ser sempre incompreensível para aqueles que embarcaram na sua vida.