quarta-feira, 13 de março de 2013

Santa Maria das Umburanas



"Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta (...) 
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida." ( Milton Nascimento)

Lembro de um dos melhores episódios da série Cosmos em que o astrônomo Carl Sagan fala que “o universo não parece ser nem bondoso nem hostil, mas meramente indiferente a criaturas como nós”.  Essa frase me faz pensar como a imensidão calada e ao mesmo tempo barulhenta de um céu noturno não deixa de ser bela pelo fato de não existir ninguém que a criou ou administra. Mesmo acreditando nessas coisas eu adorava fingir que era católico quando conversava com minha avó. Fingia não era por maldade e sim por certo respeito. Dona Maria era uma daquelas fervorosas nonas católicas que participava de tudo na Igreja e até arriscava rezar e cantar umas músicas em latim. Era impressionante como ela sabia tudo dos santos. Desde criança eu ficava encantado quando Maria me contava as histórias dos mártires com suas batalhas, dragões, lanças, sacrifícios, flechas, perseguições, milagres. Adorava também ouvir os santos nomes e seus lugares de origem: existe algo que soe mais bonito que pronunciar “Jorge da Capadócia”?  Ou quão bonita podia ser Nossa Senhora de Fátima em seu manto branco aparecendo para os três pastores em Portugal? E aquela imagem de São Francisco de Assis com os animais que tinha naquele quadro que Maria uma vez me presenteou?
Não satisfeita em saber tudo sobre as santidades Dona Maria também era disposta em organizar grupos de oração, desde os corais que cantavam os hinos de louvor até o dedicado zelo na ornamentação da igreja.  Além de tudo era uma pessoa que conseguia combinar uma simplicidade franciscana com uma disposição vicentina de mover montanhas para ajudar as pessoas.    
Não precisamos  fazer teorias da conspiração para explicar por que o papa Bento XVI abdicou do cargo. O motivo é óbvio.  Agora que Dona Maria não está mais viva e a igreja católica  perde um dos seus principais pilares. Talvez daqui a uns 200 anos e mais uns 3 ou 4 papas alguém vai atribuir alguns milagres a Dona Maria e ,assim , iniciar seu processo de beatificação e canonização.
Por enquanto, continuo acreditando que o céu e o universo continuam se movendo indiferentes às nossas vidas. Mas às vezes acho que alguém lá em cima deve estar trabalhando bem na ornamentação das estrelas e das nuvens.  Desde que Dona Maria se foi dá pra notar que o céu está muito mais bonito.  



sexta-feira, 1 de março de 2013

40 GB.



 Meu vizinho anda muito triste.  Ainda não há dados oficiais, mas ao que parece, este morador do meu bairro perdeu os 40 GB de pornografia que tinha em seu computador.  Se no livro Moby Dick todos temem a cor branca da ameaçadora baleia gigante aqui, o medo teve lugar na matiz azul. Tudo começou com a aparição da tela celeste que vez ou outra vem para assombrar os computadores. Após reiniciar a máquina tudo parecia normal mas meu vizinho percebeu que precisava salvar todo o seu acervo de putarias.
Em missão digna de um Noé da pornografia meu vizinho segue madrugada adentro atrás de todo tipo de dispositivo móvel para salvar o que fosse possível antes do Dilúvio profetizado na temida Tela Cérulea. Era uma corrida atrás de pendrives, CDs/DVDs virgens até mesmo disquetes. Se fosse preciso, mataria alguém por um HD externo: uma verdadeira Arca que salvaria todos aqueles registros de vídeos e imagens de casais humanos. Aposto que meu vizinho havia feito downloads de todas as categorias possíveis que todo bom pai de família – que vai às quartas e domingos com esposa e filhos para igreja – aprecia acessar em sites pornô.  
E ficou tudo Azul dinovo e dessa vez o computador não mais voltou a funcionar. Não dormiu nada o resto da noite e logo cedo levou a CPU para uma oficina de informática. Dentro de dois dias veio a informação de que havia dado perda total no disco rígido. Neste momento, não se sabe bem o que aconteceu dentro de sua cabeça. Talvez imaginou –se sobrevoando uma enorme planície azul em que milhares de casais humanos acasalavam de várias formas e posições e, ao mesmo tempo, davam adeus ao meu vizinho.  
Passou o resto da semana perdido em melancolia. Algo como uma nostalgia masturbatória bateu nele. Apontava para nossos amigos na rua e dizia “essa atual geração de jovens possui matéria prima pra se divertir fácil demais, bom era nos meus tempos em que ficava escondido espiava as primas, tias, amigas da irmã ou senão roubava revistas das bancas”. Certa vez José Saramago disse que “é ainda possível chorar sobre as páginas de um livro, mas não se pode derramar lágrimas sobre um disco rígido”. Infelizmente, o grande escritor português não está vivo para ver meu vizinho vertendo lágrimas sobre a peça do HardDisk  que antes abrigava toda a sua diversão contra a monotonia diária.