O reservado adolescente Heráclito
adicionou um novo evento ao seu cotidiano: ir
logo cedo a um rio que passava próximo a cidade de Éfeso e ficar sentado
nas margens ou colocar os pés na água e passar horas olhando pros círculos que a
correnteza fazia nos calcanhares. Vez ou outra algumas crianças viam Heráclito e
começavam a imita-lo colocando e tirando
os pés da água. . “Tudo flui” falou quase que automaticamente Heráclito ao
apalpar uma grande espinha que vinha nascendo no seu queixo e ver ,em uma mesma
cena, a risada das crianças no dando golpes na água, jogando gotas, formando
espumas, bolhas e pequenos arco íris na luz do sol. Heráclito sentiu uma grande alegria junto a
uma vontade de ir a outra margem do rio.
Porém, suspirou e lamentou não saber nadar bem pra fazer isso
Indo para casa Heráclito para e vê uma
multidão numa praça. E, entrando mais no centro da multidão, percebeu que o
centro das atenções era um jovem bonito e bem vestido chamado Parmênides
apresentado como filósofo e bajulado por lideranças políticas locais da cidade
de Èfeso. Por um momento todos silenciaram e Parmênides começou a contar sobre um
manuscrito que estava elaborando: um bocado de histórias sobre um pequeno
príncipe que morava sozinho em uma ilha em que apareciam raposas e outros
seres. Parmênides usou uma das reflexões desta fábula do principezinho – que desde
o início Heráclito achou horrível e de mau gosto - para falar da sua filosofia sobre a
permanência de elementos do cosmos e
soltou a seguinte frase : “ o essencial é invisível aos olhos”. Neste
exato momento o impulso crítico de Heráclito ganhou força e ele entrou em um
dilema – muito comum nos dias atuais quando jovens vêem opiniões contraditórias
nas redes sociais - discordar ou não
discordar? Vale a pena discutir com esse
babaca?. Ao mesmo tempo que Heráclito apertava a espinha no queixo a ponto de
estoura-la ele sentia subir uma voz interior – como se um ventríloquo tivesse
dado o comando, já estava dizendo:
“Pelo contrário, não se
pode tomar banho duas vezes no mesmo rio. Tudo flui, nada persiste nem
permanece o mesmo”
Há mais panelinhas, fofocas e baixarias
sobre as disputas entre Parmênides ( o filosófo da essência) e Heráclito ( o
filósofo transformação) do que nossa vã filosofia possa acreditar. A famosa
frase do rio gerou toda uma fúria por parte de Parmênides. Habituado – na sua
essência- a não ser contrariado pelos pais ele viu em Heráclito um oponente que
precisava destruir a todo custo. Nem sequer pediu pra Heráclito explicar melhor
a sua questão fluvial e foi logo fazendo apostas: “ desafio você a provar isso
no próprio rio”. Heráclito aceitou a
proposta.
Com uma multidão acompanhando, os dois chegaram
a o rio que passava perto de Éfeso. Heráclito apresentou seu argumento colocando
os pés na água durante duas vezes. Na primeira vez apenas colocou os pés na água e depois saiu –
nesse momento alguns habitantes de Éfeso juram que viram Heráclito andando na
superfície do rio, mas não há provas disso. Na segunda vez colocou dinovo os
pés na água e jogou uma folha seca no
rio. Por fim, apontou ela sendo levada pela correnteza. O argumento estava pronto.
Parmênides estava horrorizado pois não
sabia explicar sua ideia outrora tão brilhante de essência diante desta visão
da folha ziguezagueando e indo embora na correnteza. (Pior era o público que entediado com a
disputa foi aos poucos esvaziando as margens do rio). Atacado de fúria Parmênides foi para a
hospedaria da cidade, pensar alguma forma de contrariar a brilhante
constatação de Heráclito. Os três seguintes dias foram dedicados as mais
variadas e bizarras ações comandadas por Parmênides:
Primeiro dia:
Parmênides contratou um certo número de escravos para cavar buracos e encher
eles com a água do rio: com a água parada poderia provar a essência das coisas ( além de tentar causar uma epidemia de dengue na cidade).
Mas com o tempo a água dos buracos batia na terra e virava lama ou evaporava.
Heráclito olhava apenas sorrindo e repetia “ tudo flui”. E repetidas
vezes Parmênides deu ordens aos escravos para cavar grandes buracos, chegando
mesmo a construir um pequeno lago desviando água do rio. Parmênides também sugeriu que os escravos
fizessem uma pequena ponte de madeira no rio para provar que a ponte era
essência e o rio a aparência. Não se sabe se cansados de levar insultos e
chicotadas ou se por uma afinidade filosófica com Heráclito os escravos se
reuniram e elegeram um líder para dizer a Parmênides: “ não adianta, tudo flui”
Segundo dia:
Pobres animais que se envolvem nas disputas entre dois filósofos!. Principalmente quando um dos filósofos
odiava ser contrariado. No segundo dia Parmênides comprou um grande rebanho de
bois e cabras e, em seguida, mandou matar todos e retirar o couro dos
animais. Em seguida, encomendou a todos
os alfaiates de Èfeso que costurassem a pele dos animais e juntassem umas
estacas de forma a fazer um “ depósito” de
água do tamanho de uma piscina dessas que as crianças dos dias atuais usam
para se banhar aos domingos. Orgulhoso e crente de que agora o argumento de
Heráclito ia ser vencido, Parmênides se despiu e caiu na piscina. Porém após um
tempo ao sol o couro dos animais ressecou e as costuras se romperam estourando
a água e o filosófo Parmênides por todos
os lados. “ Tudo flui” disse novamente
Heráclito ao ver Parmênides pelado caído em uma mistura de lama e pedaços de couro que
começavam a apodrecer.
Terceiro e último dia: Tudo aparentava que
Parmênides, após a humilhação do dia
anterior, tinha ido embora de Éfeso. Então Heráclito seguiu sua rotina de ir ao rio molhar os pés e brincar com as crianças. Contudo
já próximo ao rio Heráclito pisou em uma pedra e ela afundou. Era um buraco
feito pelos escravos de Parmênides. E o pior: estava cheio de esterco de vaca. Parmênides apareceu sorrindo na parte de cima
do buraco e jogou uma corda. Com a habitual calma Heráclito subiu e recebeu as
zombarias de Parmênides: “ veja bem, meu argumento está certo: há uma essência
e uma aparência, você está sujo de merda, resta escolher se isso é sua essência
ou aparência”
É
deveras intrigante imaginar que toda uma disputa filosófica acerca de uma ética
de transformação e outra de imanência que dividiu e ainda divide o pensamento
humano poder ter sido travada em torno de excrementos de animais. Sujo de
bosta, Heráclito ignorou as risadas de Parmênides e seguiu rumo ao rio.
Chegando lá colocou os pés na água e foi mais fundo e deixou a correnteza bater
sob seu corpo levando os pedaços e porções de merda que estavam no seu
corpo. Em seguida mergulhou a cabeça. Esse “desbatismo” fecal de Heráclito foi o
sinal da derrota de Parmênides. A sensação de que tinha perdido aumentou ainda
mais quando crianças que estavam perto do rio se aproximaram e fizeram uma
espécie de círculo e dançavam em torno do filosófo da “ essência” . As crianças
cantarolavam dizendo que “tudo flui e tudo se transforma”. Enquanto isso, Heráclito percebeu que já
estava fazendo um Sol alaranjado do fim da tarde. No reflexo das águas do rio enxergou
a real beleza no fato de tudo ser transitório. Heráclito sentiu algo que até
então era indescritível e inexplicável – e continuou sendo por milênios até o
século XX quando o escritor Marcel Proust descreveu a sensação de nostalgia e
infinitude sentida por um personagem dos seus livros ao comer um bolinho e
tomar um gole de chá. Após limpar toda aquela merda, Heráclito mergulhou
novamente no rio e dessa vez não foi mais visto. Não se sabe se ele tentou
nadar ou se deixou apenas levar pela correnteza.
3 comentários:
Belo escrito!!!
Lendo e relendo, redescobrindo o texto... demais :-)
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