É
com grande orgulho que uma coalizão internacional de cientistas anunciou a invenção de uma máquina de teletransporte voltada exclusivamente para pessoas que estejam sentindo saudade. O mecanismo consiste em uma poltrona em que o “
teletransportante” senta e deixa seu corpo ser conectado por eletrodos que, por
sua vez, são programados para detectar os impulsos elétricos e
neurotransmissores que o cérebro emite quando um ser humano sente saudades.
Caso a máquina detectar ondas cerebrais compatíveis com o sentimento de
saudade, é acionado a complicada aceleração de átomos que gera energia para a
transferência direta da matéria do corpo para qualquer local do mundo em um
tempo de no máximo duas horas. “Basta apenas sentir saudade de alguém e que próximo
ao local que esse alguém esteja tenha uma subestação para finalizar o
teletransporte” declarou um dos pesquisadores da equipe que criou a máquina.
Dentro
dessa nova era dos deslocamentos humanos alguns novos problemas se avizinham. Cientistas,
políticos e lingüistas portugueses rapidamente articularam uma campanha para
patentear o nome da máquina, alegando que a palavra “saudade” seria exclusividade do idioma
lusófono. Em um longo manifesto contendo
inúmeras citações dos poetas Camões e Fernando Pessoa, composições de Fado e frases dos navegantes do
século XVI, os lusitanos defendiam um suposto privilégio da língua portuguesa
de ter um verbete específico para descrever os sentimentos de melancolia que
tomam que tomam o ser humano ao sentir falta de alguém ou de algo que está distante. Desviando
das questões de uma grave crise econômica que atravessava o seu país, o
presidente português exaltava a volta de Portugal ao seu “lugar” de vanguarda
das grandes viagens de descoberta da humanidade, agora não mais em naus e
caravelas, mas nas poltronas do teletransporte. Por sua vez, alguns artistas do Brasil tentaram
elaborar seu próprio “ manifesto da saudade” alegando que esta palavra teve seu
significado bastante influenciado pela cultura musical brasileira. Os brasileiros
exigem que, ao menos, sejam tocadas os clássicos da bossa nova como música
ambiente nos compartimentos da agora chamada” Máquina da Saudade” . Nessas disputas não foram ouvidas as ambições
políticas, culturais e nem opiniões dos representantes dos países
lusófonos da África e Ásia. Na verdade, esses
continentes ganharam o centro das discussões quando ministros e embaixadores de alguns
Estados europeus declararam preocupações
quanto a possibilidade de quando a “Máquina da Saudade “ fosse popularizada, gerasse uma imigração em massa - via teletransporte – para
a Europa de parentes dos cidadãos
descendentes de africanos e asiáticos.
Os EUA também declararam algo parecido ao temer uma invasão de mexicanos e
“outras espécies de latinos” nas palavras de um senador texano. Os parlamentares destes países prometeram propor leis e estatutos para controlar a
saudade dos imigrantes e de seus familiares e, assim, manter a paz e a ordem
pública.
Setores
das classes empresariais das grandes multinacionais levantaram as possibilidades
do uso comercial da Máquina da Saudade como uma forma de transporte que iria evitar gastos de dinheiro e tempo com horas e horas de escalas e vôos dos
representantes comerciais . Contudo,
como já foi dito, a máquina apenas funcionava com neurotransmissores específicos
da “ saudade”: os empresários, acostumados a vida dinâmica de várias viagens,
reuniões e compromissos em diferentes países pouco se importavam em sentir saudades
e se as sentiam, era bem longe das viagens de negócio e das reuniões nas salas das empresas que
estavam as pessoas que lhe faziam falta. ( Empresas de transporte aéreo, assustadas
com a possibilidade de perder passageiros e até mesmo sua função, lançaram
promoções que em outros tempos soariam irreais devido ao preço baixo das
passagens). Uma conhecida multinacional do ramo farmacêutico lançou investimentos
de pesquisa para que cientistas isolassem os transmissores químicos que
permitem ao cérebro humano sentir saudade e assim, fazer pílula ou
até mesmo uma injeção para viabilizar as viagens dos homens de negócio na
Máquina da Saudade. A “aspirina da
saudade” iria se juntar as já conhecidas drogas , lícitas e ilícitas, para
dormir, manter-se acordado, acalmar e
controlar ansiedade, controlar o apetite e outras disfunções do corpo humano
submetido a uma rotina de viagens e compromissos que ultrapassam as 24 horas.
Debates
filosóficos e teológicos foram mobilizados pelas possibilidades da “Máquina da Saudade”.
Sociólogos e movimentos sociais preocupados com as transformações nas relações
sociais causadas pela nova invenção
começaram a denunciar os perigos de uma “ditadura da saudade” para se
encaixar nos padrões definidos pela Máquina. Nos bares e restaurantes, bêbados e poetas
clamavam versos aos sentimentos de saudade, faziam piadas e se questionavam se aos domingos - dia maior do tédio e do carrossel de
lembranças mais forte – haveria um congestionamento e filas infinitas para
utilizar as máquinas. Também aos
domingos os padres falavam suas preocupações e faziam reinterpretações da
bíblia para adaptar os dogmas da Igreja Católica de acordo com as cartas e
declarações do Papa sobre a Máquina da Saudade. Alguns fiéis mais exaltados falavam que esta
máquina era uma tentação e um sinal do Fim do Mundo: era nada mais que o arrebatamento de pessoas
profetizado no livro de Apocalipse. Os recém-casados, já estavam questionando
sua fidelidade ao matrimônio, jurada diante de seus cônjuges e a Deus, caso
pudessem usar discretamente a Máquina para rever seus namorados e namoradas do
passado que ainda tinham saudade. As
cartomantes pensavam em como mudar suas propagandas
nos jornais: falar que “ traz a pessoa amada em três dias” não faria mais sentido
após a invenção da Máquina da Saudade.
Aqueles que sentiam a mais dura
das saudades - a da morte - enchiam os tinham esperança de que a Máquina fosse
um dia aperfeiçoada para que pudessem rever os parentes mortos que tanto eles
guardam nas suas memórias. Cogitava-se
também a capacidade da Máquina teletransportar partes de si distribuindo-se
em vários locais com as diferentes pessoas que sentiam saudade. “A cabeça
estaria no bar com os amigos, o corpo com as amantes, e talvez um pedaço da
perna para os filhos”, Alguns, não satisfeitos em matar a saudade de pessoas,
queriam saber se a Máquina também possibilitaria viajar no tempo e reviver os momentos das suas infâncias que deixaram saudades. Será que a Máquina da
Saudade resolveria a eterna fábrica de insatisfações humanas de desejar
incessante e de imediato coisas que não vai poder alcançar?
As
últimas notícias que temos falam de conflitos, protestos e resistências por
parte de jovens de vários países a se cadastrar nos programas governamentais da
Máquina da Saudade. Eles alegam que a
Máquina vai fazer com que se perca a
magia dos encontros e dos laços sentimentais entre os seres humanos. Preferem utilizar os meios de comunicação comuns como a
internet, telefone e videoconferências para expressar sua saudade. Alguns
adolescentes até resolveram radicalizar a luta e aboliram até mesmo os celulares
das suas estratégias de saudade. Montaram grupos de resgate de poesias e livros
– um neo romantismo anti-teletransporte - e enviam apenas cartões postais, telegramas,
bilhetes e cartas as pessoas que lhe sentem falta. Assim “pode-se
aproveitar mais intensamente os efeitos alucinógenos da saudade”; diz uma jovem
francesa de 16 anos - mas vestida como uma nobre do século XV - que aboliu o
celular e redes sociais da sua vida e pretende passar o próximo ano apenas visitando
amigos de infância que não vê há muito
tempo. Um movimento mais violento são as ameaças de grupos terroristas de
explodir bombas e seqüestrar cientistas que estejam envolvidos nos projetos da
Máquina da Saudade. Os serviços de
inteligência de vários países investigam se esses terroristas estão sendo financiados
diretamente pelas empresas do setor fonográfico que temem que a Máquina torne
obsoletas as vendas no mercado de músicas. Como compor canções e emplacar
sucessos de amor em um mundo que não há mais a saudade?
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