Já não é novidade a
notícia de que cientistas criaram uma Máquina da Saudade. De tanto veicular nos
jornais as pessoas já sabem como funciona o aparelho: um mecanismo que se
conecta ao corpo humano e detecta transmissores da “saudade”, o que permite que
a máquina inicie um processo de aceleração e transferência de átomos a longas
distâncias. Simples: se você sentir saudade, a máquina lhe transporta aonde
quiser. Mas atenção as seguintes restrições: a máquina
apenas ativa se , após conectada a cabeça e também a corrente sanguínea, captar
operação cerebral e substâncias ligadas ao sentimento de saudade. Além das discussões que a nova invenção gerou nas
academias intelectuais filosóficas, literárias, sociológicas, lingüísticas, antropológicas
e psicanalíticas haviam preocupações relacionadas ao uso comercial e a “popularização”
dos serviços da máquina.
Para diminuir o medo de
entrar numa cabine, ter conectado a eletrodos na cabeça, receber injeção no
braço, e da leve sensação de enjôo após o teletransporte, iniciou-se uma propaganda
nas grandes emissoras de comunicação para tornar a Máquina viável para todos.
Na verdade, uma rápida análise das empresas patrocinadoras da campanha “pela
saudade” podíamos ver que nessa campanha havia claros interesses comerciais. Enquanto alguns poetas louvavam o fato de uma
máquina tão revolucionária ter o seu funcionamento subordinada ao romantismo da
saudade, empresários, executivos, acionistas de multinacionais e chefes de
estado reclamavam que a oportunidade do teletransporte facilitaria a suas viagens de negócio, mas
precisavam superar as exigências bioquímicas, cerebrais e sentimentais da
Máquina. Para isso, já tinha a promessa de grandes laboratórios de farmacêutica
que se propuseram a isolar “neurotransmissores da saudade” e assim, fazer uma “injeção”
ou, após certo avanço nas pesquisas, uma pílula que se juntaria as outras tantas que os
empresários tomam antes, durante e depois as suas seguidas viagens e conexões
de avião.
Porém, a mídia e as grandes
multinacionais e os líderes mundiais começaram a se preocupar com outro problema.
No momento havia apenas quatro “Máquinas da Saudade” no mundo. Duas dessas estavam em posse de grandes
Estados nação, que tinham seus governos guiados por corporações de grande
volume de capital que financiavam, eleição após eleição, seja conservadores ou
progressistas, as campanhas presidenciais. Uma máquina ficou com a instituição das
Nações Unidas – na verdade era uma máquina reserva, deveria ficar guardada pra
usos de emergência. A quarta máquina era o problema pois havia sido roubada de
uma base militar e não sabia exato o seu paradeiro.
Uma rápida pesquisa em vídeos
que circulavam pela internet encontramos um vídeo de um grupo de pessoas que
afirmam ter roubado essa quarta Máquina. Já com um número considerável de
visualizações, a gravação mostrava apenas uma mulher encapuzada que dizia ser a
“própria Saudade” e lia o seguinte texto:
1) Chega
de Saudade: a saudade é uma angústia de todo ser humano, portanto, deve ser
elevada a categoria de direito universal suprir as necessidades da saudade. Se
todos sentem saudade, não faz sentido o uso da Máquina da Saudade estar
restrita a alguns grupos privilegiados. É urgente popularizar a Máquina para
todas as pessoas, independente de nacionalidade, classe social, idioma, religião,
cor ou orientação sexual.
2) Chega de Saudade: A humanidade criou a escrita, o telégrafo, o
telefone, a viagem de avião, a internet. Essas invenções deveriam servir para
diminuir tempo e distância, nos tornar mais próximos, diminuindo ou eliminando obstáculos
para os encontros entre humanos. Em resumo: deveriam diminuir a saudade. Contudo o que vemos hoje é diferente: as
pessoas viajam tanto de avião que esqueceram a magia que é estar voando no céu ”
e apenas reclamam dos serviços de bordo, da demora das empresas, estão
mergulhados nas obrigações dos seus empregos de cumprir horários. Quanto a internet, somos escravizados pelos
e-mails, redes sociais, postagens de fotos e aplicativos no celular que nos
avisam a toda hora nossos compromissos de trabalho e com o fingimento de uma imagem que nós não somos. A
saudade é o motor das grandes invenções tecnológicas da humanidade. Já que
temos consciência disso não podemos permitir que aconteça com a Máquina da
Saudade a deturpação que já aconteceu com o avião e com a internet.”
3) Chega
de Saudade: Buscaremos a saudade no mais cotidiano das pessoas. A música é
a grande força motora da saudade. Nos
downloads de músicas: os sambas nostálgicos, boleros melancólicos, os fados, canções românticas das mais cafonas,
das baladas dos rocks. Estamos atentos as postagens em redes sociais, ligações de
celular e nas conversas mais cotidianas. Se preciso, bateremos de porta em
porta. Estamos disfarçados de padres, psicólogos, advogados, músicos,
vendedores de seguro. Nosso objetivo é fazer com que os mais necessitados,
tanto de dinheiro como da distância das pessoas queridas, tenham garantida uma
viagem gratuita dentro da Máquina da Saudade.
Foram estas reivindicações que, em uma época passada “pré-
Máquina da Saudade” soariam como piadas e resmungos de qualquer adolescente
sonhador, começaram a preocupar a política mundial.
A Grande Mídia logo criou um nome pejorativo para os ladrões
da máquina: eram os “ Terroristas da Saudade”. Esse nome foi alvo de grandes contorcionismos
para os jornais. Primeiro, ligaram os Terroristas da Saudade – um nome
realmente horrível e de mal gosto - a
alguma suposta ação comercial das decadentes empresas do mercado fonográfico . Jornalistas diziam que era tudo uma farsa
sobre o roubo da máquina: na verdade era uma ação comercial das gravadoras
musicais, um último suspiro de um mercado em decadência. Foram mobilizados
produtores e críticos para mostrar que, a notícia de roubo da máquina era parte
de uma farsa, um viral, um último suspiro das gravadoras musicais em falência, para
anunciar “ Terroristas da Saudade” como uma nova banda de “jovens que iriam
revolucionar a música pop” .
O argumento religioso
também foi mobilizado pela Mídia para criticar os assim proclamados “ Terroristas
da Saudade”. Se dizia que eram um grupo separatista que agia por meio de luta
armada e intimidações. Boatos diziam que
os Terroristas da Saudade eram uma perigosa comunidade religiosa liderada por charlatões,
pastores, monges, espíritas e padres fanáticos que “se diziam anjos” e iriam de
casa em casa fazer falsas promessas de que a Máquina poderia suprir a saudade
dos seus parentes já falecidos. Essa nova religião de uma deusa chamada “Saudade”
realizaria o milagre de órfãos e viúvas, através da Máquina roubada que seria
aperfeiçoada para alcançar o paraíso, purgatório, inferno ou qualquer outro local
que a fé humana criou para despejar a lembrança dos seus mortos.
. Não se sabe se por
sucesso ou medo de um apoio da população as investidas dos Terroristas da
Saudade os governos começaram a pensar em uma democratização da Máquina da Saudade
. O que seria o direito de todo cidadão para suprir a sua saudade? Todo
cidadão, pagador de impostos, teria direito a uma “cota de saudade” viabilizada
pelo governo? Podemos mesurar saudade em
impostos, financiamentos de créditos, bolsas de estudo, cotas, subsídios e
cortes de gastos? Como investir nas políticas de saudade como um atrativo de
votos nas campanhas eleitorais? Através dessas perguntas digladiavam deputados,
senadores, governadores e presidentes de vários países. Empresários diziam que “por
ser um sentimento importante, a saudade poderia ser aproveitada como valor de
mercado”. O mais importante para eles era que dessem prosseguimento as pesquisas
para tornar a Máquina utilizável para fins comerciais. “Se os pobres querem usar a Máquina da
Saudade que trabalhem e busquem pagar o teletransporte com seus próprios
méritos. É melhor ensinar ter a saudade
do que dar assim de graça”. Eis o jargão de políticos aliados dos analistas de
mercado financeiro. Já os filhos destes políticos
que estudavam em grandes escolas de arte se diziam simpatizantes das
transgressões dos Terroristas da Saudade. Argumentavam que” ter saudade” era um aspecto
esteticamente interessante da condição universal humana. Porém, esses mesmos
artistas e intelectuais afirmavam que os pobres não tinha uma saudade
esteticamente elaborada para usufruir da Máquina da Saudade. Sobre esse tema, um estudo
publicado por um grupo de sociólogos, conclui com os seguintes trechos: “as
pessoas pobres sentem melancolias, tristezas
e até sentimentos parecidos com uma nostalgia mas com certeza não sentem
saudade: isso exige uma senso estético
de nostalgia bem elaborado” (p.56) e, em seguida diz que “o problema da saudade
entre as classes mais humildes eram as músicas de baixa qualidade que os pobres
ouviam, ao sentir saudade” (p.64). A partir dos resultados desses estudos –
financiados integralmente pelas empresas interessadas na Saudade™ - os governos já preparavam
campanhas educativas e a polícia para reprimir e até mesmo eliminar qualquer
manifestação musical nos bairros e cidades mais pobres.
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